O que é a qabalah?

A mística judaica - chamada "Cabalá" - aparecera na Espanha, por volta do séc. XIII, mais especialmente, na região setentrional. Os primeiros grandes cabalistas na Espanha não provinham especialmente de origem sefardita, conforme comumente se pensa na atualidade. Tampouco era reconhecida como "Sefarad" a região ibérica setentrional, pois era chamada por este nome somente a Espanha meridional, ou seja, o califado de Córdoba, a região islâmica espanhola, que incluía o sul da região onde hoje situa-se Portugal.

Quase toda a cultura norte-espanhola, bem como sua aprendizagem em tudo o que diz respeito à Torá, e à mística em particular, foi recebida (não por forma escrita) do meridiano francês, apesar de que também esta cogitação é quase que impossível de ser no tocante à mística em particular.

Esta tese, porém, é levantada por grandes figuras do hodierno judaísmo do leste europeu, ao ver que os "Gueonim" (plural de "Gaon") da Babilônia não só parecem ignorar plenamente o assunto, conforme deixam transparecer claramente em seus escritos, como escreveram contra temas que, mais tarde, tornaram-se os fulcros do sistema cabalístico, como por exemplo, a metempsicose, na busca de manter levantada a barreira defensiva da difusão desta crendície como que tendo esta suas origens remotas no povo judeu, havendo chegado até nós por meio de uma transmissão oral, que não existira senão entre certa classe de sábios cujas origens supostamente remontam aos sábios do período talmúdico da Terra de Israel que, segundo esta afirmativa, seriam os asquenazitas e os franco-provençais, e cuja tradição não fora transmitida entre os sábios da Babilônia, senão entre eles, unicamente, até os dignos rabinos da Provença e da Mogúncia, daí chegando à Catalunha e, posteriormente, aos territórios de Leão e Castela.

Como se sabe, os maiores sábios franceses da época, os representantes do judaísmo tradicional ashquenazita em seu pluralismo folclórico, criam ser Deus dotado de corpo, embora não exatamente como o corpo físico do ser humano, como pode ser constatado nas palavras de Rabi Abraham ben-David, o maior dos que se colocaram em adversividade aos escritos de Rabi Mochê ben-Maimon, deixando maior possibilidade de que esta haja sido assimilada de algum corpo exterior de cunho egiptólogo, como os Templários.

Se suas origens são remotas, não sabe-se precisar exatamente qual o período no qual os judeus a assimilaram, mas se admitirmos a mudança radical na forma de aceitar a manisfestação da divindade entre os seres criados e sua existência, se dispõe de corpo ou não, entende-se que ela foi "integrada" ao judaísmo espanhol-setentrional (não reconhecido propriamente como sefardita, senão como ponto de encontro de três divisões culturais da época: judeus franco-provençais, asquenazitas e sefarditas, ou seja - oriundos de Andaluz, Granada, Extremadura e meridiano Português, bem como mais algumas pequenas regiões centrais espanholas), pois a cabalá não admite esta forma de pensar, sendo similar neste ponto crucial à fé judaica geral, ou seja, Deus indispõe de corpo, material, etéreo ou espiritual, o que não coincide com o que se pensava no passado entre os rabinos provençais e dos demais grupos similares.

Algo especialmente perceptível e acentuado na "qabalá" é a divisão bem definida entre o bem e o mal - "Sitrá diqeduchá" e "Sitrá Aĥrá", bem como os polos antagônicos no lado do bem, e seu equilíbrio, algo comum entre as diversas formas de pensar orientais, como o zoroastrismo, o taoísmo e o hinduísmo, entre outros.

Nos escritos dos Gueonim - sucessores dos últimos Sábios do Talmud - encontramos diversos palimpsestos que se antepõem contrários a toda e qualquer forma de pensar similar, apesar de os partidários da crença cabalística insistirem nos escritos de Rav Hayiê Gaon - um dos últimos deles e mestre do grande Rabi Isaac Alfassi, do qual fora discípulo o grande Rabi José ha-Levi de Megas - instrutor do grande Maimônides e fundador do grande centro sefardita cordovês de Torá, o primeiro centro religioso judaico no mundo pós-talmúdico que fora levantado em oposição às inovações rabínicas em questões legislativas - segundo o qual não temos o direito de afastar-nos do cumprimento da halakhá segundo o último Sanedrin, até que este seja novamente instituído. De acordo com o que se pensa, o fator que ocasionara o levantamento de tal centro fora o desvio dos último dos Gueonim da forma tradicional de legislação - fiel ao último Sanedrin e aos Amoraím (plural de Amorá - últimos Sábios do período talmúdico).

Outrossim, vê-se que seus discípulos não foram partidários de crenças místicas, bem como não há como provar através da diminuta quantia de escritos do citado Gaon, nos quais refere-se especificamente a casos de feitiçaria - que cria ou referia-se à ciência que surgira no meio do povo judeu numa época muito posterior à sua época.

Há quem diga que grupos esotéricos não-judaicos (platonistas e pitagóricos) inseririram esta forma de pensar e modo de ver o universo na cultura judaica norte espanhola durante as guerras da reconquista ibérica, cujo cunho cristão era dúbio, tratando-se de um prélio especialmente determinado pelos grupos (ou grupo) citados, conhecidos na época como "Templários" (precursores da Maçonaria e do Rosecrucianismo da atualidade, que eram um só corpo naquela época), contra o belicismo islâmico antagônico ao misticismo egípcio, que é sua verdadeira origem - fator que punha em perigo a meta de "aperfeiçoamento da humanidade" através da "igualdade entre os seres, a liberdade de pensamento e expressão e fraternidade", famoso lema da revolução francesa - sem distinções de cunho religioso ou racial, segundo a forma de pensar que o "profano" (isto é, todo o que não fora iniciado na ciência mística) deve ser dominado para o bem comum da humanidade e de seu progresso.

Para tanto, enfraquecer e deslindar o poder da religião é imprescindível, trazendo à humanidade a consciência mística. Sendo o judaísmo a fonte das religiões monoteístas, tomaram deles alguns por membros e incumbiram-lhes de inseririr ao povo judeu o misticismo. Talvez seja esta a razão de nomes de deidades egípcias da antiguidade - como "Toth" ou "Tocz" são encontrados nas mais sagradas obras cabalísticas, como por exemplo - no livro do Anjo Raziel.

Sua luta contra os muçulmanos era justificada pelo fato de que o Islam sempre se opunha a qualquer fator contrário aos fundamentos islâmicos, especialmente os que buscam explanar as ações divinas no plano material, ou crendícies como a fé na transmigração das almas, ou que Deus seja simplesmente o "Cosmos", e a "alma do todo", crenças que, segundo o islamismo, assim como o judaísmo - tentam diminuir e buscam limitar a Divindade, e são a essência do que se chama em termos cabalísticos "árvore da vida", ou seja, a ordem das "sefirot".

Ao contrário de seus irmãos setentrionais, os sefarditas meridionais, extremamente zelosos por manter a tradição de um judaísmo recebido diretamente de seus mestres babilônicos, os gueonim, viram na mística judaica "inovações periculosas à fé judaica, de cunho platônico", atacando-a, bem como a seus propagadores, diversos rabinos catalães e castelhanos da época.

O principal introdutor da tradição cabalística fôra (segundo o que se pensa) Rabi Abraham ben-David, comumente chamado "Raavad", sendo seus discípulos os primeiros propagadores da dita ciência na Catalunha e demais regiões norte espanholas, tese de difícil aceitação, pois ao que parece, conforme deixa transparecer em seus escritos antagônicos ao Michnê Torá, esse grande rabino cria dispor a Divindade de corpo (conforme já anteriormente explanado), algo que não é admissível nem no pensamento judaico comum, nem no cabalismo.

Todavia, ela não fôra difundida por acervos homílicos senão a partir da difusão do Zôhar - tido como a principal obra cabalística que - segundo a tradição - foi escrito por Rabi Chime'on ben-Yoĥái, um Taná (Sábios do Talmud anteriores ao período dos Amoraím - lembrados acima) - que remonta ao período da revolta judaica contra o Império Romano (a guerra perdurara de 69 da era gregoriana até 129 e.g). O período exato no qual se dera a compilação desta famosa obra é, contudo, muito discutido, bem como a autoria, pois no dito livro são lembrados muitas figuras rabínicas do período amoraíta, cerca de três séculos após o falecimento de Rabi Chime'on ben-Ioĥái, além de seu estilo idiomático não coincidir com o da época, sendo seu aramaico uma miscelânea de "linguajar babilônio" e "aramaico da Terra de Israel", quando na verdade deveria ser sua forma linguística simplesmente ligada à Terra de Israel, especialmente ao Tiberiano, região para a qual se deslocaram os grandes sábios da época. Termos idiomáticos peculiares aos sefaraditas (como "esnoga", por exemplo) também são encontrados no texto em dialeto judaico-espanhol (ladino), o que leva a crer que o livro foi escrito no território espanhol por volta do séc. XIII e.g.

A Cabalá visa esclarecer temas como a criação do mundo, caminhos e modos da ação divina no mundo material, influências dos mundos espirituais sobre o mesmo, bem como outras questões espirituais em geral e temas relacionados à transmigração da alma (reencarnação), sobre a qual há grande divergência no modo de pensar judaico (entre aqueles que aderem à ciência cabalística) e demais credos que admitem esta ilação como fato inconfutável. Sua segunda divisão (desaprovada pela maioria dos rabinos, mesmo tratando-se de aderentes aos estudos cabalísticos), chamada "cabalá ma'assit" - inclui sistemas de ações semelhantes às utilizadas nos antigos povos do Oriente, como os de Aram Soba, que criam que por meio de ações humanas conseguiam mover a seu favor a "vontade e a energia cósmica", ou seja, similar à conhecida magia (branca e negra).

Na atualidade, ela é quase que plenamente aceita entre os judeus de todos os ramos e origens, apesar de que em seu aparecimento na península ibérica gerou muita controvérsia, e centenas de rabinos da época na própria Espanha e Portugal lhe foram conspícua e reveladamente infensos, afirmando que "ela era fusão do platonismo com crendícies não judaicas".

Todavia, apesar dos que se levantaram contra (e se levantam ainda hoje), ela se propagara mais e mais, dominando inconcussa todo o oriente. Com exceção dos judeus hispano-portugueses da Holanda e de uma facção dos iemenitas, é perfeita e plenamente aceita. Outrossim, mesmo os aderentes a seus estudos e profundidades, se abstêm do que é comumente chamado por todos "cabalá ma'assit", que inclui ritos de evocação de anjos e demônios, bem como outras estapafúrdias promiscuidades, afirmando que qualquer ação desse tipo pode ser tida como "'avodá zará" (idolatria). Entre os grandes personagens do judaísmo que saíram contra a prática da cabalá ma'assit temos, por exemplo, Rabi Mochê Haiim Luzzatto, o Gaon de Vilna, Rabi Jacob Sasportas e muitos outros.

Aos que desejam iniciar-se nos conhecimentos cabalísticos, aconselha-se que façam-no através dos livros de Rabi Mochê Haiim Luzzatto, começando com o livro intitulado "Derekh Ha-Shem" (O caminho de Deus), após o qual segue-se uma série de escritos do mesmo autor, como "Adir ba-Marom" ("O Poderoso no Alto"), "Os Cento e Trinta e Oito Portais da Sabedoria", "O Conhecimento das Compreensões, "Os Novos Carmas", "Os segredos Ocultos e "Os Setenta Carmas", "Portais de Rabi M. H. Luzzatto", "Segredos de R. M. H. Luzzato" e o "Livro das Regras" - e só depois adentrar os escritos de Rabi Mochê Cordovero e Isaac Luria, bem como o Zôhar e demais obras desta classe. Obviamente, não sem antes adquirir um bom conhecimento talmúdico e halákhico.

Grandes sábios, porém, como Rabi Mochê ben Maimon, aconselham a manter-se afastado de tudo o que seja aleatório e especioso, apegando-se unicamente aos ditames, conforme o escrito em Deuteronômio 29:28: "As coisas ocultas pertencem ao Eterno, e as reveladas a nós e a nossos filhos - eternamente!..."

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