É
comum entre os filhos de nosso povo
nesta geração, em sua maioria,
ao serem perguntados sobre a Torá Oral -
o que é ela - a seguinte resposta:
"A Torá Oral é a
Michná!"
Outros, vão ainda mais além, afirmando:
"Ela é a Michná e a Gemará - isto é -
o Talmud!" Outros ainda, dirão:
"Trata-se de todos os escritos que foram compilados ou
que foram ditos pelos sábios de toda geração,
incluindo a nossa própria!"
Ao deparar-se com estas respostas, o judeu cujo conhecimento da Torá
é parco, torna-se perplexo, caso seja uma pessoa que jamais se deixa
levar por um pensamento que seja vazio de conteúdo racional.
Quem poderia aceitar que uma Torá Oral
que possa ser modificada pelos sábios
de toda e qualquer geração seja
dádiva de Deus, no Sinai? E, como admitiria que um emaranhado de discussões - que é o que aparenta ser para quem vê o texto pela primeira vez, desconhecendo tanto o sistema como as regras talmúdicas, seja a Torá oralmente recebida no Sinai? Com toda a razão empurraria com ambas as mãos tal idéia! Tratar-se-ia de
vesânias infundadas indubitavelmente
afirmações desta classe.
O mais deletério que há
nestas pascácias evasivas é
que não somente ela diminui em nosso meio
o número dos crentes, pelo que vemos
mais e mais nas últimas gerações
jovens em busca de respostas para questões diversas,
e ao fim se vêem perdidos em um mundo ascético,
no qual perdem toda e qualquer perspectiva, e terminam por
descrer totalmente de tudo o que
nos fora outorgado no Sinai, cousas que
nós somos testemunhas, pois tudo foi
presenciado pela nação toda,
e caso mentira fosse, tal não teria como passar
nem sequer para a geração que a procedera imediatamente,
e quanto mais à nossa.
Tais inanes afirmações, e papalvas,
de inerente e irrefragável crassidade
servem de arma especialmente para os "judeus"
messiânicos
(que na verdade, acabam por não ser
nem judeus, nem messiânicos!),
que delas se utilizam para tirar do seio do
povo de Israel muitos que, confusos e plenos de dores das
vissicitudes cotidianas, buscam um refúgio e uma
égide ou fulcro no qual possam sentir-se amados e
próximos à divindade, sem dar-se conta de que
caíram nas redes de uma das piores formas
idolátricas contrapostas ao que fora dado no Sinai
a nossos pais, nossa fé imarcessível,
cujo cumprimento é-nos dever e mérito
inefável, do qual se orgulha toda a casa de Israel.
Ademais, além da amarga realidade missionária
dirigida escrupulosamente aos remanescentes do povo hebreu
na Terra de Israel e fora dela, nova onda de
"busca espiritual" na juventude se
desencadeia entre os
"sabras"
: viagens ao
extremo oriente em busca do esoterismo
oriental e das drogas - lura ou fulcro para
suas tristezas e suas dores apês a
longa jornada de três anos em defesa de
nossa Terra e de nosso povo nas trincheiras
nos melhores anos de sua juventude.
Tal busca incessante se dá devido ao fato
de que por um momento sequer não tiveram a
oportunidade de simplesmente lobrigar o que é
a inefável herança deixada para nós
por nossos antepassados, nossos profetas e nossos sábios.
Se deixássemos transparecer por uma diminuta fresta um
pálio de luz que, por um instante, leve o jovem a perceber que
existe uma Torá oral que não fora inventada
por cada geração por certa quantidade
de pessoas que levantaram-se e levantam-se em cada
geração, que a mesma fora dada por Deus
no Sinai a todo o povo de Israel em conjunto, e que
ela é a determinante na vida de todo filho e
filha de Israel, desprovida de influências
platonistas ocidentais ou esotéricas orientais,
ou mesmo egípcias faraônicas, conforme é
comum no meio dos que ainda guardam Torá e mandamentos,
como se tais houvessem sido legados igualmente desde o Sinai,
traríamos quiçá a união de todo o povo judeu
em torno de um só ideal em pouco tempo, igualando a todos
em sua vida espiritual conforme foram no passado nossos pais
quando lograram receber a Torá.
A TORÁ ORAL - ORIGINAL E SINGULAR, VIVA E ETERNA - -
como se subdivide?
Após tornar-se claro o que
não é a Torá Oral,
ainda necessitamos respostas para a questão,
bem como "setas" que nos sirvam de auxílio
para a disquisição do que é ela realmente.
Se já entendemos que a ela não se pode adscrever
nada nem dela diminuir, devemos saber quais os pormenores
que compõem este grandioso bem do qual fora provido o
povo de Israel, e não tomar decisões ou
direções contrárias e extremistas -
como fizera 'Anan ben-David, descendente dos
Exilarcas
da estirpe davídica e seus séquitos,
chamados
"caraítas" que desfizeram-se tão
facilmente da Torá Oral por influência do
que se passava em seus dias no meio islâmico,
cujas alicantinas na congérie de ditames
transmitidos de geração por seus imames,
que proferiam afirmações opostas em concernência
ao que fôra proferido por
Moĥamed,
levara-os a
inventar o sistema de legislação
muçulmana chamado
"qiass" - isto é,
em todo lugar onde a tradição recebida
não se acha igual entre
ambos os imames portadores dos mesmos,
equipara-se trechos curânicos similares
acerca daquele tópico ou lei e segue o
trazido neles como lei declarada por Allah,
sem tomar partido algum entre os sábios
do islam em suas discussões em casos assim.
Outros, diferentemente dos primeiros,
mas igualmente extremos em sua forma de agir e pensar,
confundiram dois pormenores precípuos da Torá:
a) o que é uma "lei renovada", ou "din muflá" e
b) o que é o "costume religioso" ("minhag")
e qual sua veraz colocação no judaísmo.
O motivo da primeira errônea compreensão
do que é o termo mencionado dá-se devido
ao desazo causador do maior descalabro no judaísmo
até os dias atuais, que não deixa de ser
uma resposta errônea ao primevo engano dos caraítas,
pois se estes viram as discussões entre os Sábios
no Talmud sob o mesmo prisma islâmico de seus dias
com respeito à tradição legada por Moĥamed
a seus discípulos, segundo o qual entenderam haver-se
perdido a Lei Oral através dos tempos, o que justifica
as várias discussões na Michná e na
Gemará, optando pelo sistema do
"heqêch" -
ou seja, o mesmo que "qiáss" em árabe -
os segundos tomaram direção conspícua
e exacerbadamente oposta, achando terem os sábios
de qualquer geração direito irrevogável
de ditar e desditar normas e leis após a
morte de Moisés, por compreensão
errônea e ilídima de ditos dos
Sábios do período talmúdico
como o que disseram:
"Jefté em sua geração
é equável a Samuel em sua geração",
ou dado ao fato de verem o discutir os Sábios no Talmud
sobre determinada lei, trazendo versículos para
"comprovação" de suas afirmações,
por vezes trazendo os Sábios em discussão
as mesmas fontes para afirmações
plenamente antagônicas.
Por simples desazo, ou por astenia humana de quem deseja
se sobrepor sobre outrem, ou de libertar-se do jugo ou da
autoridade de outros, como foi o caso de muitos sábios
em diversas comunidades ocidentais em concernência à
supremacia do gueonato babilônico, até então
líderes universais do judaísmo após o derrocar
dos sistemas amoraíta e tanaíta, razão pela qual
intitularam-se os dignos sábios do ocidente
"sucessores dos Sábios da Terra de Israel",
justificando assim sua posição contrária
ao gueonato, sem entender que os Sábios do
talmud discutiram fatos legislativos sobre os quais a
própria Torá lhes outorgara autoridade para fazê-lo,
jamais indo além do que lhes era permitido, e os textos usados
não serviam-lhes de "comprovação",
senão de
pontos memorativos unicamente,
já que dispunham de toda a autoridade que lhes
era outorgada pela "semikhá"
(autoridade legislativa transmitida de geração em
geração pelos Sábios do sanedrin desde Moisés -
ver Nm 11:16,17; Ex 24:1; Dt 17:8)
que perdurara desde Mochê Rabênu até seus dias,
interrompida pouco antes do selar do Talmud,
sem que haja sido renovada até os dias atuais.
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS - direito geral dos sábios?
MINHAG OU COSTUME RELIGIOSO: -
determinação rabínica jurídica
ou prática popular?
Após as palavras acima, cabe-nos esclarecer o que é
"din muflá", e após, o que é
"minhag" nos escritos dos sábios, bem como a
conotação que tomara este termo na atualidade, sendo
que a influência para tal forma de pensar acerca dos mesmos
já tornara-se suscintamente claro de onde provêm.
O primeiro refere-se a casos nos quais a Torá não
deixara determinação alguma sobre o caso, ou de
situações nas gerações posteriores ao
evento do Sinai sobre as quais nada dissera o Profeta.
Por exemplo, quantos fios deve-se colocar nas borlas das roupas -
que a Torá não determinara, nem o Profeta disse.
Sobre o caso, discutem os Sábios Hillel e Chamái,
buscando trazer uma forma singular para todos os hebreus,
eliminando as diferenças entre os israelitas em concernência
ao cumprimento dos preceitos da Torá.
Outro exemplo seria mais apropriado para nossos dias -
determinar se está permitido ou não o uso da energia elétrica
no dia de Sábado, algo que apesar de
todas as facções rabínicas atuais admitem ser proibido,
cada qual traz uma razão distinta para tal, que por fim cai por terra,
sem que haja fim na controvérsia. O que não devemos deixar cair
no oblívio é o fato de que o Richon le-Tzion de Israel,
Rabi Bension Hai 'Uziel, era partidário de que fosse permitido
seu uso no chabat pelo simples motivo citado anteriormente:
todas as afirmações com respeito a esta
proibição não possuem um único ponto de apoio,
senão a obediência às pessoas que tem maior
conhecimento de Torá, apesar de não disporem do
conhecimento básico das ciências gerais, sem saber
discernir entre fagulhas de eléctrons e faíscas íneas,
além de "construção de circuito".
Quando encontramos qualquer decorrência sobre o assunto realizada
por órgãos de "institutos tecnológicos de halakhá"
já principia com a afirmativa: Explicação sobre
energia elétrica no chabat: porque é proibida"
...
Não venho afirmar sobre a mesma se é ou não permitida,
o que deixo a critério do leitor, ou do próximo sanedrin.
Quanto ao segundo termo, após haver
ficado claro o que é "din muflá",
devemos esclarecer o que é
"minhag", traduzido literalmente por
"costume", que foi confundido talvez com a expressão
"hergel",
que significa o mesmo, porém com
conotação diferente da primeira. "Minhag"
é uma das classes de decretos promulgados pelos Sábios,
ou por qualquer tribunal rabínico,
mesmo pós-talmúdico - com a condição que
não se ache contraposto a ele. Contudo, nos países
europeus as comunidades judaicas transformaram tudo o que o
povo principiara a fazer por si próprio como "minhag" -
e ainda afirmando que o "minhag tem força de anular a
própria halakhá", algo que era totalmente desconhecido
no mundo sefaradita e judaico-oriental no período gaônico
e pós-gaônico até cerca de sete séculos.
Se alguém deseja redarguir, que verifique antes os escritos
dos
gueonim
sobre o termo.
A Torá Oral divide-se em:
Halakhá le-Mochê mi-Sinai -
leis especiais que não têm
lembrança nos escritos,
nem na Torá e nem nos profetas,
nos quais não caíra jamais discussão;
Divre Chemu'a - ouvidos no Sinai
diretamente de Moisés, e este de Deus,
não estando escritas na Torá;
Divrê
Qabalá - cousas recebidas de Moisés
que, apesar de não escritas na Torá,
têm alusões nos escritos dos profetas;
Dinim Muflaim - citado acima (din muflá).
Podem vir por simples decisão do Sanedrin
(e somente por ele), ou por estudo de uma das treze regras (idem);
Taqanôt, gezerôt e minhagôt -
decretos de diferentes classes, pelo que está escrito na Torá:
"Não te desviareis do que te disserem..." - Dt 17:21.
FIDELIDADE AO TEXTO TALMÚDICO E AO PROMULGADO NELE -
- Qual sua real importância?
A proibição da existência de mais de uma "torá"
em nosso povo está conpiscuamente explícita no Talmud quando
se referem os Sábios aos que cumpriam de acordo com uma das duas
grandes escolas de Chamái e Hillel - época em que esteve o
povo dividido em duas grandes facções - chegando ao ponto de
decidirem que "os pormenores da Lei a serem cumpridos devem ser segundo
a escola de Hillel, apesar de ambos os ensinamentos serem palavras de
juízes vivos" - quem fizer segundo o ensino da escola de Chamái,
torna-se passível de pena capital". Por que tanta escrupulosidade?
Para que "não haja mais de uma Torá no povo de Israel!". -
Talmud de Jerusalém, Berakhot 1:4; Sotá 3:4.
Similarmente, a importância da
fidelidade à legislação
talmúdica se faz sucintamente clara no
feitio digno de Rabi Isaac Alfassi na antiga
Lucena, na Espanha islâmica, quando os
últimos dos gueonim da Babilônia -
estando seus tribunais em funcionamento desde
o último tribunal talmúdico que selara
o Talmud, cujos líderes eram Rabiná e Rab Achê -
acharam ser eles iguais a seus antecessores em tudo,
buscando lesgilar leis renovadas em seus dias,
levantara-se o grande cohen R. Isaac Alfassi e
criara em oposição aos gueonim o primeiro
grande centro sefardita contrário às
inovações impostas, declarando não
estarmos livres após o selar do Talmud para
legislar quaisquer pormenores que não
estejam ambivalentes com o trazido no Talmud,
mesmo em coisas que em seu texto não achem-se expressos.
Até os dias de Rabi Isaac Alfassi,
achava-se o digníssimo tribunal de
Lucena (Elissana, nos escritos gaônicos)
submetido ao gueonato babilônio, sendo
este fator que causara seu desligamento o
mesmo que fizera com que tivesse Rabi Moisés
Maimônides tantos seguidores mesmo em nossos dias,
sendo todos os sefaraditas do mundo, incluindo todos os
judeus de todos os países árabes e indo-persas -
seus seguidores, até pelo menos dois séculos após
haver sido compilado o Chulĥan 'Arukh de Rabi José Caro,
como se pode testemunhar através de escritos de
grandes rabinos sefaraditas do oriente e do ocidente,
como Rabi Meir Al-Chaqar, Rabi Ezequias da Silva,
Rabi Ĥayim ben-'Atar,
Rabi Salomão David de Oliveira e Rabi Abraham Pereira,
este último em pleno século XX.
Além disto, testemunha sobre o fato
o próprio autor do Chulĥan 'Arukh -
Rabi Iossef Caro -
colocando-se ele
próprio contra o deixar de cumprir
com o conteúdo da obra de
Rabi Mochê ben-Maimon (Maimônides),
que é em síntese toda a
Lei Oral codificada em suscinta e
conspícua fidelidade ao
promulgado no Talmud (V. "Abqat Rokhêl siman 32).
Caso eu seja inquirido:
" - Que diferença há entre o
Michnê Torá - a Lei Oral codificada
por Rabi Mochê ben-Maimon - e os demais sábios
de sua época e de outra posterior, em todo o mundo?
Minha resposta será simples: " - Rabi Mochê
ben Maimon possuiu
acesso a escritos aos quais os demais
sábios de sua época não lograram ter,
além da explanação correta recebida
diretamente dos sucessores dos últimos rabinos do
Talmud, os gueonim da Babilônia, dos quais foram
discípulos seus bisavós e trisavós até
sete gerações de grandes rabinos espanhóis,
além de ser discípulo de Rav Hayê, gaon de
Pumbadita, Rabi Isaac Alfassi, mestre do instrutor de
Rabi Mochê ben-Maimon!"
Com esta resposta,
apresentamos sua compilação traduzida ao idioma
português com sincero apreço e auspício de
que o estudioso possa aprender o hebraico
e estudá-lo em sua fonte original.
Além disso, escrevera seu trabalho em hebraico michnaico,
e por uma forma metódica, abrangendo todo o texto talmúdico -
tanto o que é válido para a época na qual o Templo
está em seu funcionamento, como para a época na qual não
está, como é nosso caso; tanto para a época na qual as
tribos todas encontram-se reunidas na Terra de Israel, como na qual
apenas algumas encontram-se nela; tanto para quando os judeus estejam
na diáspora, como para quando habitem em segurança na
Terra de Israel, com rei ou sem rei. Sobretudo, fôra estrênuo,
tanto em concernência a seus antecessores quanto aos que o procederam.
A michná não é a Torá Oral, senão esta está
contida nela, conforme fica bem esclarecido no "Preâmbulo ao Talmud"
de
Rabi Chemuel (ben-Iossef ha- Levi) ha-Nagid, cuja obra tem suas fontes
nos escritos de
Rav Chemuel ben-Ĥofni Gaon, ou conforme pode se
ver através das próprias regras talmúdicas.
Tampouco tudo o que é dito em cada geração
por qualquer pessoa - rabino ou não - pode ser tido
como Torá Oral, como pode-se perceber neste livro já
em seu prefácio, além das notas nele transcritas por mim
para ajudar aos que o estudem em sua compreensão.
Seguem-se as regras de pronúncia em concernência
a termos transliterados, e alguns pormenores mais concernente
ao trabalho em si.
Para estudos em hebraico - Bíblia, Talmud, Tosseftá, Michnê Torá Mekhon Mamre